PAINEL I – ECOSSISTEMAS E URBANIDADE
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Abandono de tartarugas em Portugal: O papel dos guardiões na disseminação de espécies exóticas |
Rúben Filipe Galvão Cunha – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa, Portugal – CIAS, Universidade de Coimbra, Portugal |
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Esta investigação procura descrever a degradação dos laços afiliativos entre guardiões e tartarugas, que pode levar ao abandono e disseminação de tartarugas exóticas em Portugal. No estudo abordámos a relação entre guardiões e tartarugas, e foi possível verificar que esses vínculos tinham uma base quotidiana afetiva e emocional sólida. No entanto, há casos em que essa relação se incompatibilizou, desencadeando o abandono das tartarugas. Alguns guardiões não têm conhecimentos sobre o impacto ecológico que praticam ao largar as tartarugas no ecossistema nacional. Algumas das razões analisadas que levaram ao fim da relação foram: dificuldades económicas, perda de interesse do guardião e mudanças de quotidiano, levando-os a entregá-las a alguém confiável. Não obstante, existem alguns guardiões que decidiram deixar as tartarugas em lagos e/ou rios como afirmaram nas entrevistas, defendendo estar a fazer o melhor para as tartarugas, quando na realidade não o estão. A introdução de tartarugas exóticas nos ecossistemas surge da crescente demanda por parte de alguns países, levando à libertação em habitat natural pelos guardiões, que somado a alteração e destruição dos ecossistemas e a capturas intencionais para venda, ameaçam às duas espécies autóctones de tartarugas (Mauremys leprosa e Emys orbicularis). A recolha de dados foi feita a partir das entrevistas semiestruturadas (N=16), inquéritos por questionário (N=415) e observação online no grupo do Facebook “Tartarugas/Turtles Portugal”, onde se verificou esta vertente do abandono e a importância da sensibilização dos guardiões e publico em geral, de forma a combater esta situação que ameaça a fauna endémica e respetivos habitats.
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Palavras-chave: Antropologia Multiespécie, Tartarugas, Animais de Companhia.
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Antropologia Multiespécie: Diferentes especificidades da comunicação entre tutores e cães |
Roberto Ismael de Oliveira Curi Hallal – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Portugal – CIAS, Universidade de Coimbra, Portugal
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Este estudo (2021/2022) investigou as formas de comunicação entre díades multiespécie, colocando guardiões e cães como narradores das suas próprias “versões do quotidiano” compartilhado. Os laços afiliativos que unem humanos e cães, vêm dando agência aos últimos na sociedade, para além de um lugar especial nas famílias humanas, tornando-os co-construtores de relações sociais multiespécie profundas com componentes afetivas, emocionais e de amizade. Através de uma aproximação etnográfica, conduzimos 17 entrevistas semiestruturadas, alargando horizontes metodológicos ao recorrer a técnicas como a observação quantitativa /etológica (utilizando o cronograma das espécies) durante 5 amostras focais para cada díade. Estas observações ocorreram todas no “ecossistema doméstico”, que incluía locais de passeio e trabalho, considerando o tipo de treinamento dado, a idade do cão e as condições nas quais o cão chegou ao lar, já que os seres humanos e animais não humanos (ANH) se expressam de diferentes formas. Assim, procurámos compreender, dentro do quotidiano partilhado, o impacto e o papel da comunicação no reforço da relação entre as díades estudadas. Os resultados obtidos (análise de conteúdo e análise etológica) mostram que as relações investigadas contradizem os esquemas simplistas e reducionistas mais tradicionais da antropologia (ex.: paradigma natureza-cultura) e é visível a emergência de uma mudança com novas relações sociais multiespécie pautadas por dimensões afetivas, comunicacionais e emocionais estreitas nos núcleos familiares multiespécie. Estas novas afiliações são também o resultado do abandono de paradigmas desatualizados (ex.: excepcionalismo humano) de natureza profundamente antropocêntrica, prejudiciais à ecologia do planeta e que foram substituídos por concepções mais intersecionais. Palavras-chave: Antropologia Multiespécie, Comunicação entre espécies, díades cães-guardiões.
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Ilpuli leCorona: Consumo ritual de carne na intersecção da pandemia e do Pentecostalismo |
Joana Roque de Pinho – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Internacionais, Lisboa, Portugal – Natural Resource Ecology Laboratory, Colorado State University, Fort Collins, CO, EUA |
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Os ilpuli (sing. olpul) são acampamentos onde pastores Massai do Quénia fazem consumo ritual de grandes quantidades de carne e ervas medicinais. Têm alternadamente sido descritos como banquetes masculinos de carne e “sistemas holísticos de saúde”. Na prática, os participantes, exclusivamente do sexo masculino, reúnem-se e acampam em zonas recônditas de mato, longe das aldeias, onde socializam e rezam ao mesmo tempo que comem carne e consomem medicina tradicional. Durante a pandemia da COVID-19, os ilpuli foram objeto de um renascimento nas comunidades Maasai do sul do Quénia. Quando notícias da pandemia na Europa e das medidas de confinamento chegaram ao Condado de Narok, “os homens correram para o mato” para se juntarem aos ilpuli. Este trabalho pergunta o que motivou esta resposta. A apresentação baseia-se em dois anos de trabalho de campo “remoto” realizado por colaboradores Massai, seguidos por trabalho de campo presencial ( 2022-23) em que observamos e participamos em ilpuli. Este estudo explora as motivações para aderir aos ilpuli e os benefícios associados. Também analisamos as inovações que, simultaneamente, caracterizaram os ilpuli pandémicos e uma adaptação à crescente influência das igrejas evangélicas na sociedade massai. Embora o aumento da imunidade através de plantas medicinais fosse uma motivação principal, a socialização intensa (indo contra as ordens oficiais de distanciamento social), a solidariedade acrescida, a partilha de conhecimento medicinal e o treino em práticas pastoris foram benefícios inesperados e profundamente valorizados pelos participantes dos ilpuli. Graças às suas virtudes terapêuticas, sociais e espirituais, o olpul surge como resposta à incerteza e ansiedade provocadas por um evento ambiental extremo – a pandemia de COVID-19 –, revelando ainda uma apreciação generalizada e renovada pela pastorícia face à crescente variabilidade ambiental que se vive no sul do Quénia. |
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PAINEL II – CIÊNCIA PÚBLICA , IRRESPONSABILIDADE ORGANIZADA E DESASTRES AMBIENTAIS |
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O papel da ciência pública na proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas: um estudo de caso na Amazônia brasileira |
Priscilla Cardoso Rodrigues – Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima, Brasil – Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima, Brasil – Doutoranda da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal
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A Amazônia é reconhecida como o bioma com maior biodiversidade do planeta, graças, em grande parte, aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas (CTPI) que há milhares de anos promovem o manejo sustentável da região. Entretanto, o avanço do agronegócio, mineração e biopirataria sobre territórios indígenas nela localizados, aliado à inexistência de mecanismos jurídicos efetivos de proteção dos CTPI, têm colocado em risco a existência destes. Nesse contexto, vertentes da ciência pública comprometidas com os povos indígenas têm adotado iniciativas de proteção de seus CTPI, como forma de garantir a sobrevivência física e cultural desses povos e a preservação da Amazônia. Este trabalho objetiva analisar duas iniciativas realizadas no âmbito da Universidade Federal de Roraima (UFRR), localizada no extremo norte da Amazônia brasileira: o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, que mantém cursos de graduação exclusivamente para indígenas, criados conforme a demanda e sob gestão de povos indígenas locais; e o projeto Encontro de Saberes, que tem promovido a inclusão de conhecimentos tradicionais nos currículos formais do ensino superior, além de mestres e mestras indígenas (e de outros povos tradicionais) como docentes em disciplinas regulares da universidade. O método utilizado nesta investigação é o da observação participante, tendo em vista a atuação desta investigadora em ambas as iniciativas; e utilização de uma abordagem intercultural, decolonial e pluriepistêmica. Como resultados, pretende-se demonstrar a possibilidade de proteção dos CTPI no âmbito do ensino e da ciência públicos a partir das próprias vozes e protagonismo epistêmico dos povos indígenas.
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Palavras-chave: conhecimentos tradicionais; povos indígenas; interculturalidade |
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Ciência pública, antropologia e Fukushima Daichi |
Catarina Casanova – Investigadora Integrada, CIAS, Universidade de Coimbra, Portugal – ISCSP, Universidade de Lisboa, Portugal
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O presenta trabalho resulta de uma breve análise baseada numa investigação bibliográfica sobre as responsabilidades respetivas do governo do Japão e da Central de Energia de Fukushima Daichi. Traz também para este debate o papel dos antropólogos nos meses que se seguiram ao desastre e o papel dos movimentos sociais japoneses que se opõem à energia nuclear. A quase total censura na comunicação social relativa aos protestos civis com milhares de pessoas diariamente na rua – que se estenderam durante aos vários meses que se seguiram ao desastre – e que continuam, embora com menor frequência, será abordada, bem como o seu significado. Discutiremos ainda a ação dos Estados-Nação geograficamente mais próximos e por isso mais afetados pelo desastre, sobre as medidas de segurança tomadas (ex.: alimentar) tendo em conta os impactos intergeracionais do desastre, dando exemplos de irresponsabilidade organizada. Abordarei ainda os riscos ligados à instalação de centrais de energia nuclear – ainda que para fins meramente energéticos e portanto pacíficos – em zonas geologicamente instáveis , como na cintura de fogo do Pacifico. Estes riscos serão também abordados, juntamente com as implicações energéticas para os países aí localizados. Terminaremos com uma breve análise sobre o papel da ciência – e da antropologia – para uma compreensão destes desastres de génese em primeiro lugar ambiental, abordando o papel dos antropólogos implicados socialmente contra a energia nuclear, e que defendem sistemas políticos e sociais alternativos ao sistema da era dominante: o capitaloceno. |
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Palavras-chave: energia nuclear; censura; antropólogos implicados |
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Explorando as Possibilidades do Bem Viver e do Ecossocialismo como Modelos de Transição Sistêmica Revolucionária |
Henrique Pereira Moreschi – Mestrando em Estudos de Cultura Contemporânea, UFMT, Brasil |
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Nesta proposta de comunicação, abordarei as teorias do Bem Viver e do Ecossocialismo como práticas e conceitos viáveis para uma transição sistêmica revolucionária. Como biólogo e mestrando em estudos de cultura contemporânea, meu trabalho investiga as formas organizativas desses movimentos e sua aplicabilidade na resolução da crise ambiental atual. O Bem Viver, com origem nas culturas indígenas latino-americanas, propõe um paradigma de viver em harmonia com a natureza, promovendo o equilíbrio entre seres humanos e ecossistemas. Por outro lado, o Ecossocialismo combina elementos do marxismo e socialismo com a ecologia política, visando uma transformação radical da sociedade para enfrentar os desafios ambientais. Neste estudo faço uma análise marxista interdisciplinar, explorando a relação entre teoria e prática desses movimentos, investigando suas estratégias, desafios e potencial para uma transição sistêmica. Com esta pesquisa pretendo contribuir para os debates atuais sobre a crise ambiental e as abordagens que podem moldar um futuro sustentável. Esta comunicação ainda busca contribuir para o diálogo internacional sobre como enfrentar a crise ambiental sob uma perspectiva política, explorando alternativas sistêmicas ao capitalismo e as responsabilidades no contexto do colapso climático mundial.
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Palavras-chave: Bem Viver, Ecossocialismo, Transição Sistêmica Revolucionária
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MESA REDONDA MULTIDISCIPLINAR: POVOS ORIGINÁRIOS, DIREITOS HUMANOS E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL |
Alexandra Aragão (Oradora) – Professora Associada, Faculdade de Direito da Univ. de Coimbra, Portugal – Rede Ibero-Americana para a Justiça e Sustentabilidade Social Dinamam Tuxá (Orador) – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Brasil – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Brasil André Valécio (Orador) – Centro Universitário Ibero-Americano – Pós-doutorando no Programa de Democracia Política e Direitos Humanos, Universidade de Coimbra, Portugal – CIAS, Universidade de Coimbra, Portugal Gonçalo D. Santos (Moderador) – Professor Auxiliar, Antropologia, DCV, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Univ. de Coimbra – Investigador Integrado, CIAS, Universidade de Coimbra
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Com a expansão da exploração dos ecossistemas nas últimas décadas sob a influência de um modelo de crescimento económico mundial cada vez mais extrativista, inúmeros problemas ambientais vêm surgindo em nome do progresso econômico, levando a um clima de crescentes inseguranças planetárias que marca a atual época do Antropoceno nas suas múltiplas formas e nomeações. Estas forças de destruição têm tido um impacto significativo no modus vivendi de Povos Originários em diferentes partes do mundo, em decorrência de suas terras concentrarem grandes riquezas de interesse do mercado, o que resulta em incessantes violações dos direitos dessas comunidades com usurpações e invasões de seus territórios. A partir da conjuntura supramencionada, a presente mesa redonda visa promover um debate alargado e multidisciplinar sobre os possíveis caminhos jurídicos e políticos para salvaguardar os direitos humanos de Povos Originários em contextos como o Brasil, Austrália e China, nessa perspetiva, elucidando a responsabilidade ambiental como uma das trajetórias para a preservação dos sistemas ecológicos e saberes tradicionais dessas comunidades. |